sexta-feira, 27 de março de 2009

Manual V (Porque falar de infertilidade e de adopção ofende )

A expressão "Não podes ter filhos? Então porque não adoptas uma criança?", para além de ser agressiva para quem é infértil, pois reduz a infertilidade a um capricho, parece-me (cada vez mais) ofensiva para quem adopta.

Conceber e esperar pelo nascimento de um filho é uma das formas de concretizar o desejo de ser pai (ou mãe). É esse projecto por concretizar que leva dezenas de milhares de casais a procurarem centros de procriação medicamente assistida e especialistas de infertilidade. O desejo de por sua vontade conceberem um ser e acompanharem o seu desenvolvimento até que ele esteja pronto a enfrentar o mundo ao vivo e a cores.

Esse projecto conduz a outro (implícito ou não) que é o desejo de projectar no novo ser um conjunto de valores, e princípios, ou seja a concretização de um projecto de vida que consiste em transmitir a outro tudo aquilo de bom que se adquiriu ao longo da nossa existência.

O que se verifica é que em alguns casos em que o desejo de conceber (se existiu) não é acompanhado de um projecto de vida para esse ser, e noutros, o desejo de concretizar um projecto de vida não é necessariamente acompanhado do desejo de concepção de uma nova vida.

Neste contexto a adopção surge como num contexto em que o projecto de vida é iniciado por uns, e desenvolvido por outros. A falência do projecto anterior, permite que outros protagonistas realizam o seu projecto de paternidade/maternidade. Libertando-se conscientemente da necessidade da concepção, quem opta pela adopção, realiza na plenitude o seu projecto de paternidade/maternidade. A própria legislação reflecte esse princípio, determinando a igualdade entre os filhos, e permitindo a adopção tardia de filhos do cônjuge.

Tratando-se a adopção de uma forma de realizar um projecto de paternidade/maternidade, não se pode constituir como alternativa ao processo de concepção e acompanhamento do desenvolvimento inicial, a gravidez e a preparação do nascimento.

Se a adopção permite agarrar num livro em branco e escreve-lo, a concepção pressupõe (ainda que às escuras e sem tacto) a escolha do papel, a realização da encadernação, antes de iniciar a escrita! Aceitando que o conteúdo do livro é sem dúvida o mais importante, não será legítimo aspirar a construir o livro?

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